quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O espelho que queria amar (parte II)

Tinha dias que ela me olhava alegre, fixamente, meiga, acho que estava tentando enxergar sua propria alma. Não conseguia. Porque sempre voltava pra cama e dormia sonos sem sonhos. Ela começou a me olhar freguêntemente e eu pude aos poucos alcançar sua alma. Podia ver que era mulher antes de ser uma linda mulher. Conforme o tempo passava eu a conhecia, como nunca antes pude conhecer.

E ao mesmo tempo que eu a desvendava, ela se transformava, eu até queria parar de descobri-la, mas era instigante saber o que ninguém mais saberia.

Ela começou a conversar comigo, e eu não podia retribuir toda aquela atenção, então eu observava, guardava com carinho tudo o que me falava, todas as suas expressões, seus vários sentimentos. Guardava como tesouro de capitão com perna de pau. Ela, doce, contava seus maiores segredos, aqueles pensamentos que queremos jogar fora e desejos pro futuro. Tive vontade de consola-la e dizer que eu estava lá: "pro que der e vier". Mas eu não devia, ou não queria, não sei ao certo.

Em uma daquelas sextas-feira de ensonia, ela acordou totalmente atordoada, de um jeito que nunca tinha a visto antes. Acendeu o abajur, e aquela luz calma se instalou pelo quarto, decorado por ela mesma, sentou-se na cama e bebeu o copo de água das tipicas sextas acordadas. Estava agitada, hiperativa. Ela me olhou, fixou os olhos em mim e começou a falar. Falou tudo o que queria e mais um pouco, contou seu pesadelo para mim, contou que nunca tinha tido um sonho antes, contou que não tinha objetivo na vida, que não queria se casar, que não queria ser do jeito que era, que não queria ser linda. Ela sofre com isso.

Mas eu só podia observa-la, admira-la e ver como aquele rosto delicado ficava indefezo diante de tanta agitação. O que me deixava mais tenso era que eu não podia puxa-la para os meus braços e fazer-lhe cafunes nos cabelo, contando algo para amenizar sua dor. Nesse momento eu queria e precisava falar, mas não tive coragem de fazer. Nessa noite ela voltou para a cama e eu fiquei quieto, como sempre fiquei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog